“Esta pandemia pode ser um ensaio geral para algo maior que poderá surgir a partir das mudanças climáticas”, alerta o analista internacional Moisés Naím.
“A recuperação econômica vai depender muito da recuperação sanitária e a verdade é que a essa altura ninguém sabe como será realmente”, previu o analista internacional Moisés Naím, durante o fórum virtual “Da Nova Normalidade à Nova Realidade”, organizado pelas Empresas CMPC.
Ele previu que “teremos vacinas mais cedo do que todos pensavam e que a questão não será a produção das mesmas, mas produzi-las em escala, em níveis de bilhões de doses, e, segundo lugar o verdadeiro desafio será a distribuição. Isso terá consequências na reativação”.
Ele afirmou que o próximo debate não será sobre quem vai criar a vacina contra a COVID-19, mas quem a obterá. “Em breve a grande competição e as manchetes serão tomadas pela corrida competitiva para ver quem receberá a vacina, como e quando. A desigualdade em saúde se refletirá globalmente”.
No fórum virtual, liderado pelo CEO da CMPC, Francisco Ruiz-Tagle, e onde participaram cerca de mil pessoas conectadas via webex e por streaming, o renomado analista alertou que esta é a crise econômica mais grave enfrentada pela América Latina.
Por isso, afirmou que “esta pode ser uma década perdida em termos de crescimento. A nova classe média sofrerá uma desaceleração profunda. Devemos estar atentos, porque pode haver uma tempestade perfeita, onde se poderão perder democracias”.
“Tenho um mau pressentimento sobre a recuperação dos países emergentes, acho que eles sofrerão uma crise mais longa, mais dura, mais dolorosa, mais difícil de sair do que podemos imaginar. Porém, dependendo da disponibilidade e do acesso às vacinas, os Estados Unidos e outros países podem se recuperar mais rapidamente”, afirmou.
Para Moisés Naím, outro grande retrocesso que o mundo viveu em decorrência dessa pandemia é o combate às mudanças climáticas. “A realidade é que infelizmente a pandemia criou uma grande distração para as mudanças climáticas, uma vez que todos os governos, organizações e empresas estão colocando seus esforços e orçamentos para superar esta crise sanitária”, afirmou.
“Esta pandemia pode ser um ensaio geral para algo maior que pode vir com a mudança climática (…). Enquanto continuarmos a fazer menos do que o necessário, continuaremos em rota de colisão com relação às terríveis consequências que o aquecimento global trará”.
Da mesma forma, Naím foi contundente ao afirmar: “A mudança climática não será resolvida se a China e os Estados Unidos não entrarem em um acordo”.
Papel das empresas
Durante o encontro também foi debatido o papel que as empresas neste contexto e após a crise sanitária.
A este respeito, Ruiz-Tagle afirmou que a CMPC acredita que é necessário o envolvimento para gerar as mudanças de o mundo precisa. “As empresas têm um papel muito importante neste cenário e não vamos conseguir sair da pandemia como estávamos, temos de assumir e criar as condições para que se produzam mudanças”.
Por isso, ele ainda acrescentou que um dos aspectos necessários para a construção do futuro por parte das empresas e do setor privado é a inovação. “Temos a necessidade de promover a inovação, de atrair e captar talentos, de conhecer e nos conectar com um consumidor capacitado e talvez mais consciente. Refiro-me também à necessidade de dar resposta à necessidade de transparência, assumindo os erros que as empresas têm cometido, habituando-se à fiscalização, não só das organizações, mas da opinião pública em geral”.
Enquanto que Naím também acrescentou outro papel fundamental das empresas, que é ajudar a fortalecer o sistema político dos países: a democracia. “A democracia está sob pressão, sob ataque porque basicamente tem um problema de desempenho, não está produzindo o resultado social e econômico de que as pessoas precisam”.
Por isso, afirmou que “as empresas devem assumir um papel de educação cívica, que não resida apenas nas escolas, mas que comece a partir de um debate aberto em defesa da democracia, de como ela funciona e de como protegê-la”.
Em sua opinião, “os partidos políticos têm feito de tudo para acabar com a credibilidade, o apoio e a simpatia do povo, mas é preciso recuperá-los. Não acredito que haja democracia sem partidos políticos, acredito que a democracia precisa de vários partidos fortes com capacidade de ganhar eleições e governar”.
Portanto, ele afirmou enfaticamente que “o capitalismo e a democracia devem ser apropriados ao século 21”.
“O capitalismo contemporâneo de hoje mostra-nos uma volatilidade enorme, tem uma propensão altíssima ao esmagamento, à catástrofe, porque de vez em quando há um país ou setor que entra em crise”, disse o analista internacional.
Ele argumentou que não é a favor de uma refundação total do capitalismo, “onde tudo o que existe é jogado fora para se criar algo novo, ainda por definir, acredito que é necessário reparar todos esses defeitos que estão claramente fazendo o capitalismo funcionar de maneira equivocada, fazendo a democracia pagar as consequências”.
Por fim, destacou que é preciso levar em conta que, assim como a pandemia acelerou e desacelerou problemas no mundo, conseguiu dar mais força a outras questões que vinham se desenvolvendo, como a revolução digital.
“A revolução digital se tornou muito importante em todo o mundo. O e-commerce já era usado, mas hoje se acelerou com o teletrabalho, a teleducação e, em geral, a vida a ‘televida’”, finalizou Moisés Naím.